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Para além da Depressão: contribuições da Logoterapia

 A depressão caracteriza-se por uma sintomatologia extremamente limitante: insônia ou sonolência excessiva, fadiga ou perda de energia, sentimento de inferioridade, inutilidade ou culpa excessiva, além da principal característica: humor depressivo durante a maior parte do dia, geralmente mais acentuado pela manhã (DSM-5, 2014). É importante diferenciar entre tristeza e depressão, muitas vezes confundidos. Tristeza é um afeto que, embora desagradável, não traz os mesmos prejuízos psicológicos, familiares e / ou ocupacionais que a depressão. Acredita-se que na depressão haja importantes alterações bioquímicas, com distúrbios no funcionamento de neurotransmissores, principalmente serotonina, noradrenalina e dopamina (Sadock, Sadock e Ruiz, 2017). É importante ressaltar a associação entre depressão e risco de suicídio, a maior entre todos os transtornos psiquiátricos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem chamado a atenção para esse importante problema de saúde pública. Acredita-se que nas próximas décadas estará entre as três primeiras causas de afastamento do trabalho, a primeira por transtorno mental.

A notícia positiva é que a depressão tem tratamento, na maior parte dos casos com recuperação quase completa. É consenso entre os especialistas que a associação entre psicofármacos e psicoterapia potencializa enormemente o sucesso do tratamento. Particularmente acredito que a logoterapia, como modalidade terapêutica, tem muito a contribuir no processo de tratamento da depressão. Entre as queixas da clientela são frequentes as referências a sentimento de vazio, culpa insuportável,  existência “jogada fora” e/ou sofrimento inútil. Tais queixas remetem-nos muito rapidamente ao que Frankl (2010) descreveu como tríade trágica — caracterizada como sofrimento, culpa e morte.

A logoterapia auxilia-nos nesse combate, já que em nossa própria condição humana reside a nossa capacidade de apelar à dimensão noética. Tal apelo conduzirá ao que temos de mais humano: os valores e o sentido. Os que experimentaram esse movimento frequentemente comentam que se sentem, inclusive, melhores do que eram antes — isso é resultado dos valores de atitude que nos levam a pensar: diante do sofrimento inevitável nos cabe mudar a nós mesmos. É importante, igualmente, ressaltar a condição de homem incondicionado: que mesmo diante de uma história de vida sofrida, com muitas perdas ou, dito de outro modo, com muitas razões para sentir-se deprimido, a liberdade e a responsabilidade para sua própria existência falarão mais alto.

Acredito inclusive que uma psicoeducação voltada para a prevenção da depressão, encontraria na logoterapia importantes contribuições. Sabendo que vivemos em um mundo em frequente transformação, a tal ponto que Bauman (2008) diz vivermos uma profunda “liquefação”, fortemente desnorteadora. A Logoterapia e análise da existência nos coloca de tal forma dimensão noética, valores e sentido que a consciência — como “órgão do sentido” — nos dá  força e intensidade capazes de enriquecer as nossas experiências de vida, dando estabilidade e coesão. Compreender isso seria o melhor remédio contra um mundo inquieto e aparentemente sem rumo.

Frankl (2016) comenta que a melancolia — uma tensão sobre o ser e o dever ser — pode, em função do sentimento de insuficiência, transformar-se em um gigantesco abismo. E mesmo nessa dramática condição, a logoterapia afirma, o ser humano é capaz de encontrar — em sua dimensão noética, intacta diante da doença — a  dignidade humana e a força desafiadora de seu espírito.

 

Referências

American Psychiatric Association. (2014) Manual Diagnótico e Estatísticos dos Transtornos Mentais (DSM-5) (5ª ed.), Porto Alegre, RS: Artmed.

Bauman, Z. (2008). Medo líquido, Rio de Janeiro, RJ: Zahar.

Frankl, V. E. (2010). Psicoterapia e sentido da vida. (5ª ed.), São Paulo, SP: Quadrante.

__________(2016). Teoria e terapia das neuroses. São Paulo, SP: É Realizações.

Sadock, B. J,; Sadock, V. A. e Ruiz, P. (2017) Compêndio de psiquiatria (11ª ed.), Porto Alegre, RS: Artmed.

Sobre o autor

Marcus Tulio Caldas (Recife – PE, Brasil) é Médico psiquiatra pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor em psicologia pela Universidade de Deusto, Bilbao (Espanha), na área de família e saúde. Médico psiquiatra do Instituto de Medicina Integral Professor Fernandes Figueira (IMIP). Preceptor da Residência em Psiquiatria do IMIP. Membro do Laboratório de Clínica Fenomenológica Existencial da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Professor Adjunto III da graduação em psicologia e da pós-graduação (mestrado e doutorado em psicologia clínica) da Universidade Católica de Pernambuco. Membro do Conselho Científico da ABLAE (2013-2014).

marcus_tulio@uol.com.br

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